Sunday, October 21, 2007

Fragmentos do Passado

- Porquê eu? Que tenho eu de especial? Já que vocês têm esses dons fantásticos porque é que não os usam para se libertarem?
- Porque nós somos dele! Como já te foi dito, nós estamos mortos. Mas isso não significa que tu estejas. Aliás, é por isso mesmo que tu tens a capacidade para nos libertares. O teu passado ainda é um mistério para ti, mas a cada sonho e a cada degrau na tua evolução, tu vais descobrindo mais. Lembrando. A esfera escolheu-te. Porquê não sei. Tal como tu, as visões que me foram reveladas são difíceis de transpor para palavras. Depois de estarmos aqui instalados, comecei a isolar-me. Passei a focar-me na meditação de forma a extrair mais respostas para a nossa revolta. Criámos o circo de forma a nos organizarmos e intensificámos a recruta. Espalhámo-nos pela região, criámos esconderijos e separámo-nos por esses vários esconderijos enquanto eu fiquei aqui, a tentar encontrar mais respostas enquanto os outros continuavam à procura daquele que a esfera queria. Até que num desses momentos de meditação, tempos atrás, sonhei contigo. Fechado num quarto com vidros grandes. Um quarto apenas iluminado pelos relâmpagos do exterior. Vi a tua estranha forma de existência. Não percebi o porquê daquilo me ser mostrado. Sonhei uma, duas, dez vezes. Continuava a não perceber porquê tinha sempre os mesmos sonhos, repetidamente, onde nada acontecia. Apenas os relâmpagos a iluminarem o quarto e o único som que se ouvia era o da chuva a bater nas enormes janelas. Interroguei-me vezes sem conta, que estava eu ali a fazer, o que tinha de fazer. Tentei dissecar o sonho, tentar decifrar o enigma para tentar perceber mas mais uma vez não consegui. Queria mais respostas. Queria saber quem era, queria mais sonhos dos que tive quando despertei, não percebia o porquê de a minha mente ter ficado confinada àquele quarto sem vida. Tentei forçar. Concentrei-me com a esfera na mão e tentei lançar todas estas questões e desta vez obtive uma resposta: “As respostas estão nas perguntas que se fazem”. A frustração mais uma vez apoderou-se de mim, estava cansado destes enigmas e de não encontrar as respostas que procurava. Até que quando nos reunimos os dez novamente, algo inesperado aconteceu. Estávamos todos aqui nesta sala e sem me aperceber entrei em transe. Tínhamos reunido para delinearmos novas etapas e novos planos, quando todas as vivências, todas as aprendizagens e informações que eles tinham adquirido foram me transmitidas. A sobrecarga de informação fez-me perder os sentidos e quando acordei estava numa sala, com muitas pessoas ausentes de espírito. Ninguém dizia nada e o som que se ouvia era apenas o da chuva a bater na grande janela que estava junto à mesa onde estava sentado. A sala era apenas iluminada pela luz dos relâmpagos que se sucediam ciclicamente. O exterior da sala estava vazio e ao olhar para cima, vi alguém que também olhava para mim. Apesar de nunca te ter visto antes, sabia que eras tu e que eu de alguma forma tinha chegado até ti. Eras tu que a esfera queria e ela falou comigo outra vez. Quando perguntei o porquê de estar ali, a ter aqueles sonhos, eu não sabia que aquele não era o meu sonho. Era o teu. E assim que te dei a esfera e apesar de ser um sonho, ela desapareceu. Era sinal que eu estava certo.

Pedro continua calado a olhar fixamente para o velho. A cada vez que abria a boca para perguntar alguma coisa, ela fechava-se de seguida como se a resposta lhe surgisse na mente. Até que finalmente:
- Então… isto é uma espécie de inferno?
- Uma espécie, sim. Mas este inferno não é eterno. Tu tens o poder para acabar com isto tudo. És um dos que podem derrotar o Monarca.
- Um? Quantos são afinal?
- Os meus sonhos mostraram-me que vão chegar três pessoas, três que não pertencem cá e que os três juntos poderão derrotá-lo.
Pedro levanta-se e começa a andar de um lado para o outro com a cabeça voltada para o chão enquanto diz:
- O que faço então? Eu não sei lutar. A única coisa contra a qual lutei na minha vida foi o fogo e… - pára e olha para o velho com a expressão de que tinha acabado de dizer algo que não tinha conhecimento– O fogo…
- Repentes do passado, não?
- Sim… - Pedro senta-se meio atordoado
- Apenas precisas de tempo para encontrar a paz que precisas. Paz dentro de ti. Depois de conseguires isso irás lutar como ninguém lutou nesta terra. Vou deixar-te a sós. Quando te sentires preparado saberás o que fazer.
O velho sai da sala e Pedro fica sentado a olhar para a parede, mas não é a parede que ele vê. Fragmentos do seu passado que vai juntando.

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