A Cura

Saturday, September 30, 2006

Dentro do Circo Eléctrico

O tempo parece-lhe que começa a abrandar cada vez mais, todos os ruídos tornam-se disformes e as luzes encandeiam-no. Se ele estivesse com os sentidos normais podia notar que o ruído de conversas, gritos, cantorias de bêbados tinha sido substituído pelo arrastar de mobília e movimentos rápidos de pessoas. Um rápido palco é montado e um caos de fios espalha-se por todo o salão. À porta estão duas pessoas a vigiar a escuridão que reinava suprema lá fora tal como a confusão reinava na sua cabeça. E começava a receber flashes como se fosse mensagens do exterior. A pequena menina que tinha morrido nos seus braços... Pedro recorda-se dela noutro local, noutra vida. Vê a pele suja a ser lavada pelas suas lágrimas. A pequena rapariga não se mexe. “Oh meu Deus, porque é que ela não se mexe?” pensa ele enquanto outras voz invade a sua mente: “Não me faças isto agora, não me morras! Respira, porra! Respira!” As suas mãos fazem-lhe massagem cardíaca, enquanto vê vários pés que se aproximam à volta do corpo, mas a sua visão está só concentrada na face da menina na esperança de vislumbrar algum traço de vida a encher os seus frios olhos azuis. “1, 2, 3, 4, respira!” Repete ele incontáveis vezes até que sente uma mão em cima do ombro e ouve: “Ela foi-se... não há nada que possamos fazer por ela...” Os seus braços perdem as forças e vê a sua mão a fechar aqueles olhos vazios que olhavam para si e mesmo depois de os fechar, sente-se observado por eles. A vista começa a ficar turva, como se estivesse cheia de lágrimas. E uma visão turva dá lugar a outra. Um vulto está à sua frente e conforme vai-se tornando mais claro, o som disforme vai-se tornando em algo mais perceptível:
- ...igo, está bem?
- O quê...?
- Se se sente bem. Está a olhar para a parede há mais de duas horas.
- Sim, penso que sim... – diz ainda confuso. Não sabe o que bebeu mas o que é que tenha sido, o efeito estava a dissipar-se lentamente.
- Bem pelo menos não perdeu o final do espectáculo.
- Que espectáculo...?
- Oh homem... – diz apontando para trás de si – O que se tem estado a passar atrás das suas costas nas últimas horas. - quando se volta, as luzes do palco apagam-se e apagadas ficam por longos minutos. Até que uma acende-se – Bem vindo. – diz-lhe o barman baixinho ao ouvido.